quarta-feira, 28 de julho de 2010

O paraíso existe, seu João!

“O paraíso existe!”. Esta é a primeira coisa que passa pela minha cabeça quando entramos no borboletário do Sesc Pantanal, localizado em Porto Cerrado, a 35 km de Poconé, no Mato Grosso.

Na redoma de 300 m2 voam duas mil borboletas, de todos tamanhos e cores, parando aqui e ali nas ixoras e outras flores vistosas. Vez ou outra, descem a tromba e tomam goles d´água da pequena, mas bonita cachoeira artificial, que queda d´água de verdade não se vê por estas planícies fincadas no meio do Brasil.

Para quem vai de São Paulo, a viagem é longa, porém não de todo desconfortável. Três horas e meia de vôo do Aeroporto Internacional de Guarulhos até Cuiabá, se tiver conexão em Brasília. Da terra natal do poeta Manoel de Barros são mais 150 km, translado percorrido numa van com ar condicionado providenciada pelo próprio Sesc.

Logo na chegada, a surpresa: um cervo do Pantanal do lado direito da MT-370. O próprio motorista parece surpreso com a recepção propiciada pela fauna. Sesc Pantanal é a maior RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do país, com 106 mil alqueires. Para quem, como eu, tem noção espacial precária, não adiantaria imitar a Veja e calcular quantos Maracanãs caberiam nesta área– até porque nunca fui ao famoso estádio carioca. Mas, a julgar por todos os passeios que faremos durante a estadia – e ainda assim sem chegar a todos os pontos da reserva – vale dizer que é uma área gigantesca.

Seu João da Silva, o responsável pelo borboletário, é um dos últimos peões pantaneiros. O homem vigoroso com cerca de 1,60m, cor de chocolate herdada dos índios guatós – que lhe vale o apelido de João Preto –, olhos francos e porte digno, há trinta anos participava de comitivas que conduziam gado por esta região que se divide em duas estações básicas: secas e cheias. É que de novembro a abril chuvas torrenciais inundam as planícies. Diferentemente dos paulistanos, que tanto brigam com as chuvas de verão que se precipitam mais ou menos na mesma época, os pantaneiros sabem fluir de forma harmônica com as águas.

Já vi seu João num programa do Globo Rural sobre o Sesc Pantanal, feito pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, e o verei depois ilustrando um livro sobre o Pantanal. Está sempre impecavelmente vestido com calça jeans, camisetas, botas de cano curto e chapelão de couro. Junto com Vivaldo Vilas Nova, ele não toca mais gado, mas as milhares de borboletas que voam idilicamente pelo espaço de 9 m de altura. O processo é trabalhoso. No laboratório, seu João mostra os potinhos de margarina que contêm os ovinhos recém-colhidos, que são semanalmente distribuídos para as 25 mulheres que fazem parte da Associação das Criadoras de Borboletas.


No dia do sorteio, o clima é de expectativa. É que algumas espécies, como a Ascia buniae, borboletinha branca, se desenvolvem em apenas 16 dias, permitindo embolsar R$ 1 por unidade rapidamente. Já a majestosa Caligo brasilienses, grande e com olhos de coruja, leva mais tempo, porém é melhor remunerada: R$ 2,50. As cooperadas criam até atingir sua cota de R$ 366 por mês, dinheiro com o qual duas já se formaram em enfermagem e foram para a frente.

Quando os casulos chegam ao laboratório, Seu João usa cola branca para prender os casulos em palitos de churrasco, que são fixados na vertical em caixas grandes de plástico. Será que é por praticidade, para caberem mais em lugar menor?

— É preciso a força da gravidade na hora do nascimento, senão elas ficam defeituosas _ diz, apontando para uma borboleta à nossa frente que, naquele momento, rompe o casulo. Ela abre as asas enrugadas e levará algumas horas para que esteja firme e forte para voar, podendo então ser solta no recinto cheio de flores.


De volta ao borboletário, seu João explica que as borboletas vivem pouco, dependendo da espécie até 60 dias. Enquanto fala com voz calma, elas voejam ao seu redor, colhendo néctar, algumas se alimentando das bananas bem passadas colocadas em pratinhos de plástico, namorando, botando ovos e, finalmente, morrendo.

Seu João sabe o nome de todas, popular e científico. No entanto, aprendeu a ler a pouco tempo. Será que ele imaginava que um dia sua lida seria com insetos?

— Jamais imaginei que lidaria com borboletas _ diz, ainda surpreso. Alguns colegas de comitiva que não se ajustaram aos novos tempos tornaram-se, segundo ele, pés-inchados. ͟ Bebem até cair ͟ lamenta-se, revelando na prática o fim de uma cultura antiga cujos relatos remontam ao explorador espanhol Cabeza de Vaca, no século XVI.

Será que seus filhos seguiram os caminhos do pai? ͟ Meu gosto seria que eles fizessem faculdade. Mas minhas duas meninas se casaram e o rapaz trabalha com obras. ͟ Suas esperanças repousam agora nos netos, em especial Tainara, de 7 anos, que gosta de estudar. Quem sabe, no futuro, ela não se torna uma bióloga e escreve um livro sobre borboletas com o avô?