segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Manaus: uma Amazônia que faz pensar

Manaus é, decididamente, uma joiazinha encravada na Amazônia. O avião vai chegando e o verde enchendo os olhos -- ainda que muitas clareiras emerjam como cicatrizes numa floresta que poderia estar intocada. Mas o que está intocado hoje em dia?

O manauense é o primeiro a dizer que, por ser uma ilha cercada de floresta por todos os lados, a cidade é segura. De fato, mesmo no centro, as pessoas são gentis e param para explicar ao turista os caminhos para se chegar lá ou acolá.

Teatro Amazonas, herança do ciclo da borracha
O Teatro Amazonas talvez o mais conhecido ícone local, guarda a pompa, em frisas nobres e piso de tábua corrida, de um século XIX onde a cidade trazia companhias de ópera para desfrute dos barões da borracha. Os barões se foram há muito tempo, mas ele continua lá, altivo, firme e forte. A praça que o circunda é uma das mais deliciosas experiências de flanar e, também, degustar os sabores locais, do sorvete de frutas típicas ao tacacá da Gisela, um quiosque onde se serve o bem temperado caldinho típico com camarão seco e jambu regado à tucupi (um molho extraído da mandioca brava), que é servido numa graciosa cabaça com cestinha.

Imperdível: o petit gateau de cupuaçu
com sorvete de tapioca do Banzeiro
Opções para comer bem, aliás, não faltam, graças aos cardápios fartos em peixes nativos como a costelinha de tambaqui. Imperdível, novamente, é o Banzeiro, do chef  Felipe Schaedler, o Alex Atala local, onde se degusta um senhor pirarucu à belle manière que cai muito bem com um chardornnay geladinho. Já o petit gateau de cupuaçu é algo próximo da ambrosia divina.



Ir para a Amazônia e não nadar em rio é como ir à Roma e não ver o Papa. Se rio ali é o que não falta, gostoso mesmo é mergulhar no Negro, majestoso com suas águas lentas e escuras. Os guias turísticos oferecem o nado com o boto, que é algo imperdível, mas para bravos. É como se banhar nas águas do inconsciente, pois você não sabe em que hora o mamífero vai emergir da água escura ao seu lado. Ainda que manso, a textura de couro do boto é decididamente uma experiência tátil única.

A aldeia Dessana
Claro, ir à Amazônia e não ver índio é como ir à Roma e... bem. Visitar a Aldeia Dessana é uma experiência encantadora. O artesanato é de primeira, como os colares da Umussy. Diakuru vem correndo ao chamado de Yuphako, como todo bom marido, para falar da máscara linda que faz. E o pajé Raimundo Kissibi Kumu, ciente da pressa do turista moderno, faz um ritual rapidinho, de agradecimento às quatro direções. Aliás, no perfil do Facebook, ele aparece em duas versões: o pajé como il faut e o sujeito elegante, de blazer, que volta e meia é convidado para representar sua etnia fora do país. A última, se não me falha a memória, foi em Paris.

Yuphako e Diakuru :
artesanato de primeira 
Pergunto para Yuphako onde fica o mandiocal e ela me espanta, dizendo que os índios compram a farinha de mandioca em Manaus. Depois que a perplexidade passa, me pergunto por que raios eu esperava que eles plantassem roça se a gente também deixou de fazer tanta coisa, de pregar botões a cuidar de filho e fazer pão. Por que os índios teriam de continuar eternamente à imagem e semelhança de nosso imaginário, enquanto a gente se perde na civilização contemporânea, esquecidos de fazer qualquer coisa do princípio ao fim?

No avião de volta, passada a meia-noite, felizmente tudo é escuridão, para que não doa na retina as imagens das clareiras e não pese no coração a dos povos que se vão. Felizmente emerge na mente a imagem dessas novas misturas, muito humanas, que estão se formando. O futuro, pelo jeito, é hoje.

Monica Martinez
Setembro de 2013