sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Projeto Missões - Parte 12: Foz do Iguaçu


No dia 17/7/9, sexta-feira, partimos para o lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu. Na hora da saída, Fernanda desce chorando do ônibus. Começava uma tragédia na vida da bela loira de 1,76m, olhos castanhos, 23 anos, formada em Artes Plásticas na Universidade São Judas Tadeu, de São Paulo. Seu pai havia falecido. Ainda sem saber do triste desfecho da história, a jovem pega o primeiro avião para a capital paulista.

O restante do grupo, ainda abalado, prossegue na visita às Cataratas. Trata-se de um destino cujos relatos e fotografias não fazem jus à magnificência da vista. Com a criação do Parque Nacional da Foz do Iguaçu, privado, próximo à cidade de Cascavel, foi estabelecido um plano de manejo que diminuiu a mortandade dos animais por atropelamento de 1.000 por ano para próximo de zero. As entradas são organizadas, com um pequeno, mas atraente museu que explica a formação da área.

Em seguida, ônibus novos e limpos conduzem os turistas para as quedas propriamente ditas. O lado brasileiro se revela aos poucos, cortina de quedas que aumentam de tamanho e volume até se chegar à Foz. Capas de chuva são recomendadas para chegar seco ao agradável restaurante local.

À tarde, a visita a Ciudad Del Este, no Paraguai, para a compra de eletrônicos. Para quem deseja escapar do clima de 25 de março e dos produtos vendidos ilegalmente, a dica é procurar uma das lojas grandes, como a Monalisa, que vendem artigos com nota fiscal – o que facilita na volta a passagem sem susto pela alfândega. Compras de até US$ 300 por pessoa são isentas de imposto. O que exceder este valor é taxado em 50%.


No sábado, 18 de julho, o dia começa com a visita à Usina Hidrelétrica de Itaipu, um marco da tecnologia humana. O dia está fechado e não se vê a água mover as turbinas, mas a visita ao Ecomuseu vale a pena para conhecer a história da instalação. A lojinha local também possui produtos atraentes, bem feitos e com preço acessível.

À tarde, o programa é a visita ao lado argentino da Foz. Convém dizer que 80% das quedas estão na Argentina, e é única a experiência de caminhar pelas passarelas reconstruídas (elas foram levadas pelas águas na grande enchente de 1992) para ver a Garganta do Diabo. O destaque desta caminhada fica por conta de variados pássaros, como as gralhas azuis, mansas e belas que povoam a área.

De qualquer lado, é imperdível o passeio de bote, que permite conhecer as cataratas beeeeem de perto!

O passeio encerra-se na Churrascaria Rafain, que tem filiais nos Estados Unidos. O simpático show ao vivo homenageia vários países e o Brasil estaria melhor representado com uma versão mais contemporânea e criativa do que a exibida, com a já batida imagem da mulata burra e fornida e do sambista malandro...


No dia seguinte, a volta para São Paulo começa pelos campos dourados do Estado do Paraná.



Fotos e texto: Monica Martinez

Ao lado, foto do quati (Nasua nasua). O nome, do tupi coati, quer dizer "nariz pontudo". O mamífero carnívoro é muito comum na região, mas cuidado: ele pode "roubar" seu saquinho de batatinhas!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Projeto Missões - Parte 11: as minas de ametistas de Wanda



Chove e o dia está próximo do fim (o que significa pouca luz para ver o local) quando chegamos à Wanda, na Província argentina de Missiones. Até então, o nome Wanda era referência de uma marca de tinta e da comédia estadunidense Um Peixe Chamado Wanda (A Fish Called Wanda, 1988), com os ótimos John Cleese, Jamie Lee Curtis, Kevin Kline e Michael Palin.

A partir de então, Wanda quer dizer um mergulho no coração da terra para ver o local onde brotam semi-preciosas. Trata-se de uma camada de basalto maciço que se estende até Brasília, fruto de um derramamento primevo de lavas vulcânicas. Com o esfriamento ocorreram bolhas de ar que, ao longo dos milhões de ano, se transformaram nos geodos que hoje vemos incrustados nas paredes de rocha.



Os minerais que estavam no interior desses geodos são responsáveis pela variação de cor e pela dureza das ametistas ali aninhadas. Em geral, quanto mais intenso o brilho da pedra, maior seu valor. Por isso, quanto mais roxa a ametista, mais cobiçada ela é. O mesmo vale para a dureza, pois quanto mais resistente, mais ela pode ser trabalhada.

Depois dessa parte geológica da expedição, hora de embarcar rumo à Nova Iguassu, já no Brasil – onde um jantar brasileiro nos espera.

Fotos e texto: Monica Martinez

sábado, 17 de outubro de 2009

Projeto Missões - Parte 10: o local da infância de Che Guevara


É com um misto de reverência e curiosidade que muitos do grupo se aproximam ao Solar de Che Guevara, em Caraguatay, no departamento de Montecarlo, na província de Misiones.

Trata-se do local onde o revolucionário argentino (1928-1967) viveu até os quatro anos de idade. São poucos, no entanto, que seguem na visita às ruínas da casinha onde a família morou, que é feita com guarda-chuva e capa debaixo de um aguaceiro torrencial.

A visão é modesta, mas vale a pena. Afinal, esta parte da história não está contada nem em O Diário de Motocicleta, filme que aborda a juventude do revolucionário do diretor brasileiro Walter Salles, de 2004, nem em "Che", o relato de sua saga revolucionária feito pelo diretor estadunidense Steven Soderbergh, de 2008 (este, aliás, um filme para iniciados, difícil de ser visto por quem não sabe de cor os detalhes biográficos).

Diz o guia local, Diego Cabral, que a mãe e o pai de El Che fugiram para Caraguatay quando ela engravidou antes do casamento. O que na comunidade de classe média alta que pertenciam não era visto com, digamos, bons olhos. Tanto que o biógrafo do argentino, o escritor Jon Lee Anderson, baseado em relatos orais, defende que Che não nasceu no dia 14 de junho, mas um mês antes – mudança de data conveniente para se ajustar à data do casamento.

O pai de Che, Ernesto Guevara Lynch, um empreendedor descendente de irlandeses, viu no local um ponto promissor para o plantio de mate e a extração de madeira. O menino nascido em Rosário, que sofria de asma, não se aclimatou ao local úmido no meio da mata, aliás, preservada hoje com a criação do Parque Provincial Ernesto Guevara de la Serna. Basta caminhar um pouco pelas trilhas que saem da sede para ver o ponto mais estreito do rio Paraná e, a 500 metros dali, na outra margem, o Paraguai.


Em busca de ares mais secos, em 1932 a família de Che muda-se para Altagracia, em Córdoba. Mas parece que o pequeno não esqueceu o espírito empreendedor do pai e as histórias sobre vida comunal ouvidas nas missões. Nem as lições dadas pela mãe, Célia de La Serna, responsável por parte de seus estudos fundamentais, baseados na biblioteca de cerca de três volumes com obras de Marx, Engels e Lenin distribuídas pelas residências do casal. No ambiente familiar, Che ainda ouve os primeiros diálogos da mãe com o pai a respeito dos direitos dos tralhadores contratados nos empreendimentos familiares.

Depois da visita, nos espera um churrasco portenho capitaniado pelo consultor local, Ricardo Brizuela, no Quicho da Mariela. Sobre esta parte da expedição, vale a leitura do blog da jornalista Risomar Fassanaro (http://pbondaczuk.blogspot.com/2009/09/quicho-da-mariela-por-risomar-fasanaro.html).

E pela riqueza das fotos e informações, uma dica é consultar o site do Solar de Che (http://www.solardelche.com.

Fotos e texto: Monica Martinez

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Projeto Missões - Parte 9: As missões paraguaias

Logo após o café da manhã, a expedição parte para Encarnácion, no Paraguai. A meta é visitar as ruínas de duas missões. A primeira visita feita é à Mision Jesuitica de Santíssima Trinidad Del Parana. Lá nos aguarda a guia Cintia Martinez, que explica que a missão foi fundada em 1726 e declarada patrimônio da humanidade pela Unesco em 11 de dezembro de 1993. O que impressiona no local são os detalhes majestosos, como a estátua de São Pedro logo no portal de entrada, a elaborada pia batismal e os notáveis detalhes em baixo relevo que ornam as paredes da igreja. Um pequeno museu guarda ossadas de chefes indígenas que lá viveram e atraem a atenção de adultos e crianças.

O item mais encantador da segunda redução paraguaia, Jesus de Tavarengue, não são as ruínas bem preservadas – afinal se trata da redução mais nova, que nem chegou a acabar de ser construída uma vez que o ciclo das reduções se encerrou antes de sua finalização. Mas uma jovem de 16 anos, Tamares Martinez, que trabalha como guia voluntária. Pequenina e com um eterno sorriso nos lábios, ela se abre com o grupo: “Como sou de menor, não posso receber soldo”, explica, dizendo que não ganha salário para ali ajudar.


Embora o dinheiro certamente fosse bem-vindo, ela é voluntária simplesmente porque é convicta da importância de transmitir a história da redução para os visitantes. Com esse objetivo em mente, Tamares conta que depois da expulsão dos jesuítas a missão foi conduzida por padres dominicanos e franciscanos. “Como não falavam guarani, eles não conseguiam se comunicar bem com os povos locais”, lamenta. Felizmente o nosso “portunhol” é suficiente para entender a grandiosidade da missão dessa jovem na preservação de parte importante da cultura paraguaia.
Jesus é a última missão a ser visitada pela expedição antes do retorno a Posadas e o jantar no restaurante Cavas. Agora o roteiro mudará radicalmente.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Projeto Missões - Parte 8: A surpreendente Posadas


No final do terceiro dia, chegamos a Posadas, bela cidade de menos de quatrocentos mil habitantes aninhada às margens do rio Paraná. O Hotel Júlio César é aconchegante e tem aquecimento central.

O jantar, no restaurante La Querência, guarda uma surpresa: o bate-papo animado com Aparecida dos Santos, Maria Valentina Lopes e Eibel Batista. A primeira não se deixou abater por um mal estar temporário na saúde e desfruta animadamente toda viagem. A segunda, uma guerreira sempre exuberante e alto astral, criou com garra, coragem e muito empreendedorismo os dois filhos depois da separação. Finalmente a doce Eibel, professora dedicada do ensino fundamental, viajou sem o marido, José Alberto, que apresentou reação à vacina contra a febre amarela e infelizmente não pôde embarcar com o grupo.

Após o jantar, outra novidade: “Acho que vale a pena lembrar o passeio pela Praça 9 de Julho, que foi muito interessante. A limpeza e o cuidado daquela praça nos deixaram admirados”, lembra a professora Maria do Carmo Hegeto. De fato, passadas às 23h, as pessoas caminham tranquilamente pelo local, levando seus cães para passear. Ela continua: “Tanto que a Nádia, a Fernanda e a Priscili resolveram desfilar e tal fato não poderia ter passado despercebido”, recorda.

Em frente ao Cassino, a descoberta do teto espelhado deixa encantada Hiroko França. “Observe que ela não sabia estar sendo fotografada e apontava toda admirada o efeito do espelho”, lembra Maria do Carmo.

Texto: Monica Martinez
Fotos: Maria do Carmo Hegeto

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Projeto Missões - Parte 7: San Ignacio Mini

Na Argentina, o primeiro destino é San Ignacio Mini. No pequeno museu da entrada, mãe e filha pequena olham atentamente para a maquete da redução fundada em 1631 pelos padres José Cataldino e Simón Masceta.

A menina é pequena demais para entender de História, tampouco de arquitetura. Mas a maquete é tão simbolicamente expressiva que até ela compreende que se trata de uma cidadela com igreja, casinhas e escola.

O que ela não sabe é que a redução foi constantemente atacada por bandeirantes. Aqui, eles não têm a fama de desbravar fronteiras como no Estado de São Paulo, onde dão hoje nome a rodovias como a Raposo Tavares. São chamados de “cazadores portugueses de esclavos”. Dispensável a tradução.

Indispensável, porém, dizer que os ataques foram tão intensos que o povo deixou a redução um ano depois de fundada e abrigou-se nas margens do rio Yabebirí, onde fica a atual Província argentina de Missiones que visitamos. As ruínas atuais de San Ignacio são de 1696. Resistiram firmes e fortes até 1817, por precisos 121 anos. Até serem destruídas por paraguaios, jovem nação que havia se tornado independente apenas seis anos antes, em 1811.

Esta redução não tem preservada a fachada da igreja, como São Miguel, no Brasil. Mas nela restam ainda os muros de pedra das “vivendas” (casas), as ruas espaçosas e fantásticos entalhes nas pedras, bem como pisos diferentes para cada ano da classe escolar, permitindo ao visitante “mergulhar” com intensidade na grandiosidade estética das missões.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Projeto Missões - Parte 6: a difícil passagem para a Argentina


Na terça-feira, 14 de julho, depois de um farto café da manhã, partimos para a missão de San Ignácio, que fica na Argentina. O dia está ensolarado e a viagem segue tranquila até a cidadezinha de Porto Xavier, com seus pouco mais de 11 mil habitantes. Do outro lado da margem do majestoso Rio Uruguai está a cidade argentina de San Xavier.

Apesar da aparência bucólica, trata-se de uma passagem importante. Aliás, pelo Porto Internacional de Porto Xavier passam muitas pessoas e carga, como as cebolas argentinas que abastecem os mercados nacionais. Não há ponte e a transferência é feita por balsas ou pequenos barcos. No posto da Polícia Federal, alguns agentes usam máscaras para proteger-se contra o vírus da gripe. Nesse momento, a Argentina é um dos países mais afetados. Estamos no auge do surto e os passageiros do ônibus não deixam de ficar apreensivos com a demora na liberação da documentação.

Você está acostumado a cruzar com tranqüilidade as fronteiras virtuais entre os países da comunidade econômica européia? Pois esqueça. Não há nada que lembre aquela facilidade nas fronteiras que integram os países do Mercosul.

É o início de uma saga pessoal. Pela falta de um documento de Laura, o agente federal não nos permite deixar o país. Fico olhando para ele, apatetada, até compreender toda a complexidade da situação. Não adianta explicar que estamos numa excursão e que ficaremos para trás. Inflexível, Rodrigo diz que pode até aceitar a documentação por fax, mas é o máximo que pode fazer. Depois da perplexidade inicial, confesso que sinto um imenso respeito pelo profissional que está cumprindo seu dever.

Ficamos para trás eu, meu marido, Laura e, a pedido de Marcos, um jovem guia, Caio, estudante de turismo da Faculdade São Judas, de São Paulo. Através do contato pelo celular entre Caio e Marcos, nos sentiremos o tempo todo apoiados pela equipe. Contudo, no momento, não há palavras que descrevam a sensação de ver o ônibus embarcando na balsa sem nós. Por outro lado, há também uma certa sensação de aventura, aquele frio na barriga “do que virá pela frente”.

Depois de ter solicitado o envio do documento que falta a São Paulo (o que exigiria uma ida a um cartório paulistano e o despacho via fax do documento), procuramos um lugar para almoçar. A indicação é a lanchonete da Suzy. Depois de caminharmos umas três quadras, por simpáticas casinhas pintadas com capricho, somos acolhidos num local simples por uma garotinha loira de não mais que 9 anos, que imediatamente nos arruma uma mesa no local cheio graças a sua comida caseira bem feita vendida por sistema de quilo.

Na volta, percebemos que a fronteira fecha na hora do almoço e não há ninguém no local para receber o fax que estava sendo despachado de São Paulo. Precisamos passar logo para o outro lado para encontrar com o pessoal que almoça no restaurante La Carpa Azul, já em San Ignácio. Caminhamos até descobrir um despachante, cujas atendentes gentilmente aceitam receber o fax.

Somos informados de que não poderemos pegar a balsa, mas teremos de comprar passagens de R$ 7 por pessoa para cruzar o rio de lancha, na verdade pequenos barcos de madeira que ficam à disposição no local. Caio providencia a compra dos bilhetes. A fronteira abre e a multidão de pessoas e carros move-se como um rebanho apressado em direção à balsa. Sem pensar muito, seguimos a multidão e damos de cara com o agente federal, que nos lança um olhar reprovador, desconfiado, como se estivéssemos tentando burlar a lei. Exibo o papel solicitado, que é carimbado.

Enquanto ficamos aguardando a saída da lancha, cujo condutor liga de seu celular providenciando um táxi para nós do outro lado do rio, conversamos com Odair, um dos policiais que guarda a área. Com 20 e poucos anos, ele reside na cidade fronteiriça pelo mesmo tempo e nunca teve a chance ou a curiosidade de passar para o lado argentino.

Num primeiro momento, fico perplexa. Afinal, estamos vindo de tão longe para conhecer a região. Logo um segundo pensamento me cruza a mente: quantas coisas e pessoas existem ao nosso entorno onde moramos e trabalhamos que também não nos damos ao trabalho de conhecer? Vizinhos, locais, parques, museus, feiras... Ocorre-me que no fundo somos todos iguais, elegando falta disso ou daquilo, tempo ou dinheiro, para nos vincular mais à nossa própria comunidade. Na hora do clique, Odair tira rapidamente a máscara anti-gripe para sair bem na foto. Sorrio. De fato, somos todos iguais.

Depois de carimbar os papéis do outro lado, seu Moreira é o jovem taxista que nos guia pela Província de Missiones em seu maltratado Uno bordô ano 2 000. Seguimos os 60 km pela Rota Nacional 12 que nos separa do grupo, que já almoça em San Ignácio. Filho de brasileiros, ele começou a residir com os pais numa colônia rural. Hoje tem família bem aculturada, com dois filhos, um de 14 e outro de 7, e não pensa em fazer o caminho de volta ao Brasil. Seu Moreira fica encantado com as bananas passas que oferecemos: achamos um brasileiro que não conhecia a iguaria nacional.

Enquanto rodamos pela Província, com seus campos pouco cultivados, embora sem vegetação original preservada, as garotas do grupo têm uma surpresa e tanto no La Carpa Azul. E não estamos falando dos pasteizinhos fabulosos, que eram espartanamente distribuídos na medida de dois por pessoa. Nem do restante do menu, que talvez não estivesse ao gosto de todos. “Bom a Iara, o Vitor e o Ivan adoraram a carne, pois eles adoram sangue! Mas a Iara falou que a carne dela estava muito assada, completamente o oposto da minha que veio quase mugindo no meu prato!”, brinca a professora e atriz Nádia Hegeto, 20, que viajava com a mãe, a também docente Maria do Carmo Hegeto.

O motivo do alvoroço foram os quatro ônibus repletos de mecânicos de todas as idades da fórmula Truck que desembarcaram no estabelecimento. “Era um verdadeiro self service de homens”, ri Nádia. “Quando eu, Fernanda, Priscili e Karla nos levantamos para ir ao banheiro, eles nos aplaudiram muito. Foi um momento hipervergonha, mas gostamos de ter abalado sem querer. Exceto a Pri, que odiou essa situação”, lembra a falante Nádia, que durante a excursão conquistou a todos pelo bom-humor.

Aliás, o grupo de jovens, evidentemente sentado no fundão do ônibus, incluía além de Ivan e Vitor a designer de moda Fernanda Toneto Rodrigues, as estudantes Priscili Silva Souza e Ana Paola Castro, a artista plástica e docente de ensino fundamental Ana Karla Chaves Muner, bem como o artista plástico Daniel Pitorri Benedito. Sem eles a viagem teria sido infinitamente menos interessante.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Projeto Missões - Parte 5: uma cidade que cortou suas raízes

— Por que não roubam moto de japonês? — pergunta Marcos, arregalando suavemente os olhos orientais.

Na primeira vez que a piada foi contada, na viagem para o Rio Grande do Sul, todos se entreolharam discretamente. Descendente de japonês teria isenção diplomática para contar piadas politicamente incorretas?

Agora que todos já estão acostumados com a seriedade de Marcos, o deleite é geral e visível na hora das pegadinhas.

— Por que japonês compra Yamaha — diz Marcos, separando bem o Y do Amaha, o que faz o nome da empresa soar como “e... amarra”. Outras piadas serão contadas, mas nenhuma agradará mais que esta, que sempre é solicitada durante as rodadas.

Depois do almoço, e ainda acompanhados de Nadir, seguimos para Santo Ângelo, antiga redução jesuítica que fica a 65 quilômetros de São Miguel das Missões. O ar histórico, aqui, se perdeu.

A cidade tem 77 500 habitantes que descendem de portugueses e, mais recentemente, de outros povos imigrantes europeus e, ainda mais recentemente, paulistas e paranaenses, que começaram a repovoar a área a partir de 1828 sob ordens do general Gomes Freire de Andrade, que tinha como objetivo impedir o retorno dos indígenas à área.

Não é, portanto, por acaso que não resta pedra sobre pedra das construções jesuíticas, nem orgulho de suas raízes – o que Nadir lamenta muito. Aliás, ela explica que as casas mais antigas foram construídas com esse material. É justamente o caso do Museu Doutor José Olavo de Machado, construção do século 19 que recebe o grupo graças a um acordo prévio com a expedição, embora seja uma segunda-feira, dia em que o local é fechado para visitação. No interior do museu, uma maquete permite visualizar os dias de glória do local, quando o guarani era o idioma oficial — embora ele ainda componha 20% do que o brasileiro fala segundo Nadir.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Projeto Missões - Parte 4: vinhos orgânicos


Três pontos são fundamentais para o agroturismo: a herança cultural (oferecer algo que está entranhado nas raízes do lugar ou da família), a atenção com o meio ambiente e... a gastronomia. Essa lição, ensinada por Leandro Carnielli, pequeno proprietário de Venda Nova do Imigrante e presidente da Agrotures (Associação de Agroturismo do Estado do Espírito Santo), se aplica com perfeição à Vinícola Fin, localizada na altura do quilômetro 508 da Rodovia BR 285, no município de Entre-Ijuisa, a 38 quilômetros de São Miguel das Missões.

Nesse 13 de agosto, felizmente uma segunda-feira, à porta do estabelecimento está o proprietário Jorge Fin, que à semelhança de Carnielli é descendente de italianos da região do Vêneto. As paredes do local estão cobertas com fotografias antigas, uma das quais do avô Luigi, que chegou em 1876 vindo da comuna de Arzignano.

Seis hectares plantados de videiras, na região até pouco tempo dominada pela soja, envolvem o recinto onde ele produz vinhos finos e de mesa em imensas pipas de aço inoxidável, tirando proveito do fato de que as uvas ali são colhidas 40 dias antes das serras gaúchas. Jorge deixou uma segura carreira na área de marketing de um banco para empreender o negócio, resgatando a viticultura praticada por seus antepassados.

Enquanto os participantes da expedição degustam com prazer os diferentes tipos de vinhos, acompanhados por copa, queijo, salame e pão produzidos na propriedade, ele fala com evidente orgulho da ótima safra de 22 graus de açúcar de 2009, resultado de 90 dias de sol sem chuva na época da colheita. Graças a essa providência divina, vinhos como o Ancellota, de coloração vermelho rubi intenso e aroma frutado de amora, cereja, com notas de amêndoa, caramelo e café torrado, poderão amaciar seus taninos e envelhecer com calma.

Lá fora, as videiras já podadas estão prestes a serem amarradas com vime para ficarem firmes para a brotação de folhas que começará na primavera. Esse é apenas um dos cuidados da plantação biodinâmica, um método orgânico inspirado no filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) conhecido pelo respeito ao meio ambiente.

De cabelos loiros curtos e um eterno sorrido nos lábios, Jorge alerta os comensais para guardarem um espaço para o almoço. Quem o está providenciando pessoalmente é sua esposa, Eliana. Pequena e magrinha, ela transita pelo espaço com a leveza de uma fada e logo oferece um delicioso cappeleti in brodo, caldo que cozinhou lentamente por oito horas. Seguem-se pasta verde e galinha criada no milho, regados a pão caseiro e, para finalizar, uma seleção de doces feitos na propriedade, como o imperdível sagu cozido no suco de uva da casa.

Ao final do banquete, as pessoas circulam espontaneamente pelo local, como se estivessem na casa de um parente querido. O estudante de Letras da Universidade de São Paulo, Ivan Pasta Zanni, 23, com mais de 1m70, magro, de traços finos e sempre pronto a fazer comentários gentis aos integrantes da expedição, observa tranquilamente o lago com seu pedalinho atracado na margem. Ivan viaja com o irmão, Vítor, 20, aluno do curso de Química da USP e a mãe, a historiadora Iara.

Na hora da saída, Jorge lamenta que não teve tempo de engarrafar a safra de grapa, a aguardente feita de uva. Felizmente os produtos podem ser adquiridos pelo site http://www.vinicolafin.com.br.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Projeto Missões - Parte 3: São Miguel das Missões

Após o café da manhã no Wilson Park Hotel, os integrantes da expedição embarcam no ônibus com destino ao sítio arqueológico de São Miguel Arcanjo. Como o local não fica distante, algumas pessoas decidem caminhar até lá, chegando à entrada quase ao mesmo tempo em que as demais descem do veículo.

O sítio é tombado desde 1983 pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade. Da entrada se vê o Museu das Missões, pequena construção idealizada pelo arquiteto Lúcio Costa para abrigar as imagens sacras feitas pelos guaranis.

Em frente ao museu, uma cena de tirar o fôlego: as ruínas de São Miguel. A parte frontal ainda está preservada, permitindo desfrutar a grandiosidade da igreja construída de 1735 e 1745. O resto da redução tem de ser imaginado a partir das plantas conservadas no museu e das imagens que a guia construirá com palavras.

Como as demais, essa missão foi construída sob orientações dos jesuítas, ordem religiosa fundada em 1534 pelo basco Inácio de Loyola.

Antes de se tornar religioso, Loyola tinha sido militar e sua ordem primou pela organização e obediência à hierarquia. A Companhia de Jesus logo atrai um pelotão de padres devotados à glória divina, opositores da escravidão e incentivadores dos estudos e das artes. A cruz missioneira postada em frente ao museu remete à união simbólica entre a espada e a fé cristã.

Os jesuítas se espalharam pelo mundo. Alguns, como Francisco Xavier, nunca chegaram ao seu destino, a China. Outros tiveram melhor sorte, como o padre Cristovão de Mendonça, que em 1632 fundou São Miguel, a primeira missão jesuítica no que hoje é a área do Mercosul. Seguiram-se seis outras: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, seguidas de São João Baptista, São Lourenço Mártir e Santo Ângelo Custódio, formando os chamados Sete Povos das Missões.

Rodeada dos integrantes da expedição, a professora de história da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Nadir Damiani, explica que os aldeamentos, construídos a partir de plantas feitas pelo jesuíta e arquiteto Gian Battista Primoli, eram muito semelhantes.

A igreja ficava no coração da planta. Ao lado direito dela erguiam-se casas para viúvas, órfãos com menos de 7 anos e “solteironas” com mais de 15 anos, que eram amparadas pela comunidade. Do lado esquerdo, as salas de aula da escola (20 alunos por classe, formada apenas por meninos), a casa dos padres e as oficinas. A música era muito incentivada e a orquestra local chegou tocar em Madri. Logo atrás da igreja ficavam a horta e o pomar. Havia frutas em abundância: laranjas, figos, romãs – então um símbolo de prosperidade.

Nadir aponta para a grande praça quadrada gramada que se vê em frente à igreja. “Ela abrigava festas religiosas, peças e jogos esportivos”, explica a historiadora. Ao redor da praça ficavam as habitações, construções sólidas em pedra de arenito como a igreja e demais edifícios. Cada redução abrigava até 6.500 habitantes (só para se ter uma ideia, a cidade de São Miguel das Missões de hoje possui 7.500 moradores).

A comunidade era auto-sustentável e próspera: os povos das missões plantavam erva-mate, milho, mandioca, batata, frutas, legumes, fumo, algodão, produzia mel, vinho de uva e de laranja. Os índios fiavam e teciam o algodão. Criavam gado, processando o couro, o sebo, fazendo botões, pentes e cabos de armas dos chifres. A moeda praticamente não existia e as trocas eram feitas em mercadorias. O excedente que não era consumido era usado para pagar os impostos à coroa espanhola e usado no escambo por artigos não produzidos localmente, como agulhas e livros. O que sobrava era dividido entre os moradores.

De cabelos curtos cor de cobre e traços decididos, Nadir chegou a São Miguel há 28 anos para estudar. Nunca mais deixou o lugar. A coordenadora do Centro de Cultura Missioneira devotou sua vida ao tema e fala apaixonadamente sobre o sistema político que envolvia a igreja que se ergue imponente ao fundo da praça. Ela aponta o museu. “Lá ficava o Cabildo, a sede administrativa da redução, uma espécie de prefeitura cuja gestão era feita pelos índios”, diz.

Passar pela sua porta principal da igreja é voltar ao século 17, quando o território era espanhol devido ao Tratado de Tordesilhas. Para ocupá-lo e catequisar os guaranis da bacia do Prata, padres jesuítas ergueram ao longo dos séculos 30 reduções.

Nadir é ativa na ajuda aos guaranis remanescentes do Estado, alguns dos quais vendem ao redor do museu seu belo artesanato, como as esculturas em madeira de quatis típicas da região. Silenciosos e com blusas de frio que já viram épocas melhores, eles são a triste herança da guerra guaranítica iniciada pouco depois do Tratado de Madri, de 1750, quando Portugal reclamou as terras para si. Só as terras, sem os padres nem os índios nelas.

O brado do líder guarani, Sepé Tiaraju, “essa terra tem dono”, não foi suficiente para espantar as tropas luso-espanholas. Nem o grito dos 30 mil índios que viviam nos Sete Povos. O espetáculo Som e Luz, exibido diariamente às 19h (no verão às 21h) desde 1978, permite intuir o massacre sofrido pelas populações que habitavam o local. Mais explícito e igualmente belo, o filme hollywoodiano As Missões, de 1986, com Jeremy Irons e Robert de Niro, também.

Ao fim do espetáculo de 40 minutos, os integrantes da expedição caminham silenciosamente de volta para o ônibus. As palavras são desnecessárias.

Fotos e texto: Monica Martinez

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Projeto Missões - Parte 2: Uma viagem gastronômica pelo sul


O sono é suave na primeira noite passada no embalo do ônibus que segue para Curitiba pela BR-116. Tanto que muitos passageiros nem notam a parada feita durante a madrugada. Mas ninguém perde o farto café da manhã no restaurante Américan Grill, em União da Vitória (já distante 233 quilômetros da capital do Paraná. É ali que conhecemos pela primeira vez um docinho típico da região de nome curioso. Trata-se de uma tira de massa frita açucarada levemente torcida chamada de... cueca-virada.

Pelas janelas do ônibus, ainda bastante embaçadas pela neblina, o cenário muda aos poucos: as verdejantes colinas do Estado de Santa Catarina vão dando espaço aos campos conforme chegamos a um ensolarado Rio Grande do Sul pela BR-135. Uma surpresa nos aguarda para o almoço: o restaurante Tia Lili, na cidade de Marcelino Ramos.

Correndo de um lado para outro, tia Lili atende pessoalmente os clientes habituais e também os paulistas forasteiros. “Sou filha de italianos e franceses”, explica, enquanto passa oferecendo polenta frita cremosa e fortaia, omelete de queijo de origem italiana. A mesa é farta, com vários tipos de salada, arroz, feijão e massas. À parte, um bufê de assados tenros e a fantástica abóbora consumida localmente, que é deixada de molho na água e açúcar, fervida no dia seguinte e, finalmente, assada – o que a deixa com uma camada externa crocante e o interior macio.

Mas o destaque do restaurante Tia Lili é uma salinha à parte, com doces caseiros de todos os tipos imagináveis, uma união feliz entre as tradições italiana, alemã e portuguesa. Ambrosia, apfelstrudel de variados tipos, pudins... Quitutes que fazem o professor José Eugenio de Oliveira Menezes arregalar os olhos de satisfação. É apenas o começo de uma jornada gastronômica que levará muitos dos integrantes da expedição a trazer vários quilos a mais para São Paulo.

Ao cair da noite, a chegada a São Miguel das Missões é tranqüila. O caminho até a entrada do grandioso Wilson Park Hotel é charmosamente iluminado. Todos os quartos ficam num primeiro andar que pode ser alcançado por uma rampa suave. Pela primeira vez nota-se a determinação de um descendente de japoneses nascido em 1928, Koumei Mitsuzawa, que, aos 81 anos, anda para lá e para cá com sua incansável bengala e será motivo de inspiração para os mais jovens antes de se queixarem de uma dor aqui ou outra acolá.

Dentista concursado e um bom contador de piadas, seu Koumei trabalhou na Caixa Econômica Federal até se aposentar, numa época em que tais cargos eram motivo de orgulho e praticados com honra e ética, como deve ser.

Texto e foto: Monica Martinez

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Projeto Missões - Parte 1

Onze de julho, sábado, 21h30. O tempo está frio e na Rua Borges Lagoa, na Vila Clementino, em São Paulo, há várias pessoas de casaco em torno do ônibus parado na ampla calçada, bem em frente ao Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo. O Sinpro, claro, está fechado a esta hora da noite. Mas boa parte das pessoas que se movimentam no local está relacionada de alguma forma à entidade que abriga professores que atuam em escolas particulares paulistas.

Logo uma das pessoas se adianta em nossa direção. É Marcos Mituzawa, da Phylos Cultural, empresa que está organizando o projeto Missões, que move aquelas 38 pessoas a deixar seus lares quentinhos e embarcar num ônibus com destino ao Mercosul. O professor Marcos é descendente de japoneses, como uma parte significativa do grupo – o que sinaliza uma viagem tranqüila e com todos ciosos do horário, impressão que mais tarde se verificará correta. Ensina física e matemática há 30 anos em uma escola privada e, nesse meio tempo, granjeou a confiança das freiras de tal forma que elas o apóiam quando precisa se ausentar por alguns dias das classes de aula para conduzir grupos de estudantes, principalmente para estudar o do ciclo do ouro em Minas Gerais.

Com o organizador viaja sua família, formada pela também professora Magali, que apesar de graduada não exerceu a profissão para cuidar das duas filhas do casal. A mais velha, Thaís, tem 14 anos e é tranquila, bela e discreta como uma delicada boneca de porcelana japonesa. A mais nova, Camila, tem 11 anos e está mais para uma japonesinha contemporânea de Tóquio moderno, daquelas que tingem o cabelo de cores chamativas e brigam pela implantação do acordo ambiental de Kyoto – embora, por ser ainda muito jovem, por enquanto ela se limite a preocupar os pais com questões menores, como correr atrás de cachorros e encharcar o tênis ao pular em poças de lama.

Enquanto Magali confere os acertos financeiros de última hora feitos pelos participantes, Marcos ajuda os dois motoristas de sua confiança a colocar as pesadas malas no bagageiro do Marco Polo 2008, uma Ferrari dos ônibus de viagem de dois andares.

Pouco depois do horário previsto, o ônibus parte para a longa viagem de 24 horas com destino a São Miguel das Missões, onde estão as espetaculares ruínas jesuíticas de São Miguel das Arcanjo.

Texto: Monica Martinez

terça-feira, 30 de junho de 2009

Parques nas alturas


Na Ilha da Madeira há dois parques que merecem a visita. Para chegar ao primeiro, o Jardim Tropical Monte Palace, pode-se pegar o teleférico da orla marítima, próximo ao mercado.

Extremamente bem cuidado, sua história remonta ao século XVIII. A antiga quinta – como eram chamadas as grandiosas propriedades pertencentes às elites locais ou estrangeiras – hoje pertence à Fundação criada pelo último proprietário, José Manuel Rodrigues Berardo.

São 70 mil metros quadrados que permitem comprovar a evolução do paisagismo europeu nos últimos séculos. Destaques: os painéis em terracota batizados de “A Aventura dos Portugueses no Japão”, feitos pelo então proprietário na parte do jardim em estilo oriental, com belos budas esculpidos em pedra.

Basta pegar um segundo teleférico para chegar ao Jardim Botânico criado em 2005. Menos imponente que o anterior, a visita vale pela deliciosa viagem de bondinho e pelos saborosos pratos rápidos, como a salada de polvo, servidos em sua cafeteria.
Texto e foto: Monica Martinez

terça-feira, 23 de junho de 2009

Enologia: o vinho madeira

O vinho é uma das atrações da ilha da Madeira. Não é raro chegar a um restaurante e ser convidado a degustá-lo. Afinal, trata-se do principal produto de exportação local.

A tradição vem de longa data. Nos últimos cinco séculos, pequenos produtores têm se esmerado em cultivar videiras de forma artesanal nos “poios”, pequenos nacos de terra amparados por terraços situados nas encostas das montanhas.

À semelhança ao do Porto, o vinho é submetido ao processo de estufagem, aquecido a 50 graus durante 90 dias, findos os quais fica maturando em temperatura ambiente.

O método, que já era adotado pelos gregos, foi redescoberto durante o período das viagens marítimas dos portugueses, quando os vinhos embarcados nos porões dos navios, submetidos aos calores dos trópicos, voltavam melhor do que haviam ido.

A presença de ingleses na ilha fez com que o produto ganhasse fama mundial. Não por acaso, a independência dos Estados Unidos, em 1776, foi celebrada com este tipo de vinho.

Segundo o guia Madeira e Porto Santo, são mais de 30 variedades de uvas usadas para o preparo do produto, que é encontrado nas versões seco, meio-seco, meio-doce e doce.

Da uva Sercial é feita boa parte dos vinhos secos. De cor clara, ele é servido como aperitivo.
A uva Verdelho é a base mais comum do vinho Madeira meio-seco. De cor dourada, é recomendado para acompanhar refeições.

Já a uva Boal é o segredo do vinho meio-doce, indicado para acompanhar assados e sobremesas.
Da casta Malvásia se produz o vinho doce. Vermelho intenso, mais encorpado e perfumado, ele é ideal para ser servido após a sobremesa, à semelhança do vinho do Porto.

Qualquer que seja a escolha, o vinho Madeira é melhor apreciado em taças mais fechada na borda, que permitem preservar seu buquê.

Quem visita a ilha entre agosto e outubro pode participar das colheitas e quem lá estiver em Setembro, da Festa do Vinho Madeira.

Fora desta data, basta uma ida ao supermercado ou a uma casa de vinhos para trazer na bagagem (a despachada, não a de mão) a iguaria que faz muito sucesso entre brasileiros. Há garrafas a partir de € 5.

Texto: Monica Martinez
Foto: Google

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pico do Areeiros: caminhadas radicais

Devido a sua flora exuberante, a ilha da Madeira é um destino muito apreciado por quem gosta do contato com a natureza.

Na cidade de Funchal é fácil obter nas recepções dos hotéis folhetos de agências locais que fazem excursões de um dia para visitar os dois lados principais da ilha.

De ambos lados há belas paisagens. Do lado oeste passa-se pela cidade de Câmara de Lobos (antiga vila de pescadores), Cabo Girão, o mais alto promontório da Europa e o segundo mais alto do mundo (580m), e Porto Moniz, com suas piscinas naturais de origem vulcânica.

Do lado este, passa-se por Camacha e seu pólo produtor de vime a caminho do Pico do Areeiros, o segundo ponto mais alto da ilha (1810m). Depois de visitar o Ribeiro Frio, um viveiro de trutas, parte-se para Santana, com suas casinhas típicas. Em seguida, chega-se à Ponta de São Lourenço, o ponto mais próximo da África. No caminho também se avista o Curral das Freiras, uma vila encravada num vale onde as freiras e as jovens se refugiavam durante o ataque de piratas.

Magro, alto e muito bem informado, o madeirense José Vieira conduz a van da Inter Tours, repleta de portugueses do continente. No caminho, mostra os peleiros, que são as casinhas construídas para abrigar uma ou duas vacas dos pequenos proprietários locais (não se vê gado nos campos como no Brasil).

Como a parada no Arieiros é rápida e o local é realmente muito bonito, vale a pena voltar para passar o dia, seja por ônibus ou aluguel de carro. Nesse caso, convém calçar botas de escalada e casaco bem quente, com luvas, gorro e cachecol, pois devido à altitude mesmo na primavera os ventos são fortes e a temperatura bem fria.

Texto e fotos: Monica Martinez

terça-feira, 26 de maio de 2009

Vai uma espetada aí?

— Espetada de carne?

Olho, desconfiada, para o chef do restaurante Windsor, em Funchal. Eu havia lido no guia de viagem, antes de viajar para Portugal, que a Ilha da Madeira é pródiga em frutos do mar.

Esperava, portanto, por polvos, camarões, os mariscos locais (lapas), filés de peixe-espada negro (que mais tarde se revelarão uma iguaria e tanto). Mas, agora no restaurante do hotel, me pergunto: que raios o chef estará me oferecendo?

Pago para ver e descubro que as tais espetadas, feitas de carne de boi (ou de vaca, como chamam na ilha), são uma espécie de espetinho.

Saciada a curiosidade e a fome, não é de estranhar a decepção com o cardápio na noite seguinte, quando um casal de amigos me convida para jantar com um primo madeirense: as tais das espetadas novamente.

O primo quer saber onde provei o prato, ri e diz que nos levaria para degustar as legítimas espetadas de vaca de carne assada em pau de louro, acompanhada do bolo de caco.

Não se vê turistas no restaurante Santo Antonio, em Câmara dos Lobos. É um daqueles locais que os madeirenses espertamente reservam para si. As tais das espetadas, ali, são servidas fumegantes, em espetos enormes, de quase um metro. Há dois tipos: a sem osso e a com osso (esta última, por causa da doença da vaca louca, só pode ser feita com gado abatido na ilha).

Além da salada verde, o prato é tradicionalmente servido com uma espécie de polenta frita, bem mais cremosa por ser feita com milho branco, e com bolo de caco, um delicioso pão tostado com manteiga de alho.

No restante da viagem, provo o saboroso bife de atum num pequeno restaurante de Funchal, que vem com generosas porções de arroz e vegetais cozidos no vapor.

Quem aprecia frutas faz bem em visitar o Mercado Municipal, um paraíso para degustar espécies diferentes como o fruto com sabor misto da banana e do abacaxi da costela-de-Adão (Monstera deliciosa), que no Brasil só usamos em paisagismo.

Na bagagem, impossível não trazer o bolo-de-mel, na verdade feito com melaço de cana-de-açúcar. A ilha, aliás, era um grande produtor de açúcar até ter o posto tomado pelo Nordeste brasileiro.

Texto: Monica Martinez

terça-feira, 19 de maio de 2009

Pé na estrada

Uma parte surpreendente dos turistas que escolhem a Ilha da Madeira tem como objetivo aproveitar a natureza exuberante do local.

Não é por acaso, visto que em poucos lugares da Europa ainda existem reservas naturais como a bela floresta laurissilva.

As caminhadas ao longo das levadas são apreciadas. Explica-se: os topos das montanhas possuem nascentes de água em abundância e os pioneiros madeirenses construíram canais de irrigação para conduzir essa água para as áreas de cultivo.

O resultado: mais de 1 400 km de trilhas naturais, que hoje podem ser percorridas a pé, em altitudes que variam de 0 a 1872 metros.

Mas atenção! Na época de chuvas, esses canais podem se encher velozmente e colocar o turista em situação de risco. Antes de se aventurar, portanto, melhor consultar uma Agência de Viagens ou, como eles chamam lá, uma Empresa de Animação Turística.

Texto: Monica Martinez
Foto: Wikipedia

terça-feira, 12 de maio de 2009

Tão iguais e tão diferentes

Na edição de abril de 2009 da revista de bordo da TAP há um artigo da jornalista portuguesa Leonor Xavier. Convidada a contar as razões pelas quais se deve visitar Portugal, ela responde com outra pergunta: “Pois não é que somos um dos mais pequenos países da Europa, o mais antigo e definido, o mais variado, o ponto de encontro, o caís de chegada e despedida, meio caminho entre os cantos mais opostos e vastos do mundo?”.

Leonor, que viveu no Brasil de 1975 a 1987 e hoje é “redactora” da revista Máxima, sabe das coisas. E prossegue, poeticamente: “(...) penso que nós, portugueses, também somos desde sempre viajantes. Porque tanto viajávamos, somos por tradição o país do afecto e do bem-querer, na curiosidade pelos outros que disfarçamos na prudência das primeiras palavras e logo depois abrimos na generosidade imensa de nossa maneira de ser”.

“Talvez porque a nossa medida de terra seja pequena de mais em face da linha do horizonte sobre o mar português, somos dados à imaginação, à fantasia, ao sonho. À aventura da distância, as mudanças de vida, os percursos pelo desconhecido são mistério, desejo, consagração de coragem na hora de regressar”.

Esse trecho ainda fresco na memória embala a agradável sensação de chegar em casa ao desembarcar no aeroporto internacional de Funchal. O idioma, Português, é o mesmo. As feições, em sua maioria morenas e angulosas, são familiares. A arquitetura das casas no trajeto do aeroporto ao hotel também são em alguma medida conhecidas.

Com o tempo, mais similaridades afloram. A princípio sisudas, os recepcionistas dos hotéis não tardam a dizer que possuem patrícios no Brasil, pedem conselhos sobre qual Estado visitar em férias e... compartilham seus problemas pessoais. Ao pedir orientações na rua, o turista em geral é bem atendido. Logo, porém, perceberá que o “bocadinho” que precisa caminhar para chegar ao seu destino... é tão longo quanto o “logo atrás do morro” de mineiros.

Em semáforos, então, nem se fala. O madeirense, como um bom paulista, não espera. Ele faz seu verde! O resultado é aquela corridinha rápida para atravessar para o outro lado da via.

Nos restaurantes, as porções são tão generosas e repletas de legumes e verduras como nos bons restaurantes tipicamente brasileiros.

Logo algumas diferenças aparecem. Menores, convém dizer, muito menores que as parecenças. Talvez a principal seja o idioma. Ele é o mesmo, mas apesar dos esforços para unificar a língua, na prática ela é mesmo “um bocadinho” diferente. O suficiente para a gente não se sentir tão em casa a ponto de baixar a guarda e automatizar os sentidos aflorados. O que, afinal, nos faz sentir tão maravilhosamente vivos quando em viagem.

Por Monica Martinez

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O charme do linho tecido à mão

Diferentemente dos Estados Unidos, com seu afã consumista, os europeus em geral têm um modo muito mais tranqüilo de fazer compras. A Ilha da Madeira não foge à regra.

No Largo da Achada, no município de Camacha, o turista encontra artigos de vime. A oferta é variada, das tradicionais cestas a porta-garrafas de vinho.

Não é muito diferente do que encontramos no Brasil, é verdade, mas as peças são feitas à vista por artesãos locais (foto), alguns dos quais temem que seu ofício se perca, visto que os jovens não demonstram muito interesse em aprender a técnica.

Interessantíssima também é a produção artesanal de peças de linho feita na região de Santana, município conhecido por preservar algumas casas do estilo tradicional madeirense, com seus telhadinhos de palha. Na foto, uma bela toalha feita a mão com linho que havia sido fiado em roca no dia anterior.

Texto e fotos: Monica Martinez







terça-feira, 28 de abril de 2009

Funchal: a capital da Ilha da Madeira



Funchal é a capital da Ilha da Madeira. Abriga 105 mil dos 250 mil habitantes da ilha. Trata-se de uma das cinco cidades madeirenses (os demais municípios são Santana (a norte), Machico (nordeste), Santa Cruz (leste), e Câmara dos Lobos (oeste).

Fundada em 1424 por João Gonçalves Zarco, a cidade se espraia pelas colinas próximas, de onde se vê o porto que acolhe os cruzeiros que derramam cerca de 3 mil turistas cada por dia. Não poderiam ser desembarcados em local melhor, pois à distância de uma caminhada encontram várias atrações, como o centro histórico, o mercado municipal, vários restaurantes e até o teleférico.

Pelos seus bons ares, a cidade era muito procurada como estação de saúde. Quem lá aportou para se recuperar foi a imperatriz Sissi, da Áustria (Elizabeth Wittelsbach, 1837-1898), e o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill (1874-1965). Conhecido pela sua atuação na 2ª Guerra Mundial, Churchill tinha a pintura como hobbie e registrou algumas cenas da ilha em suas telas durante férias na ilha.

Funchal deve seu nome ao funcho (Foeniculum vulgare Mill.), planta aromática e comestível nativa do Mediterrâneo que é encontrada em estado silvestre com bastante profusão no local.



Texto e fotos: Monica Martinez

sábado, 25 de abril de 2009

A flora da Ilha da Madeira


A Ilha da Madeira é um jardim, sobretudo para quem a visita na primavera e no verão, quando as plantas explodem de vida. Vários parques públicos, como a Esplanada localizada nas imediações da marina, na cidade de Funchal, são passeios gratuitos de encher os olhos.

Afinal, as temperaturas médias anuais, em geral acima dos 20 graus celsius, são muito generosas para o desenvolvimento da vegetação.

Predomina na ilha o clima subtropical, com características do clima tropical na costa sul e temperado na costa norte.

Conforme o olhar do turista se acostuma ao novo cenário, contudo, percebe que as belas flores não são tão nativas quanto sugerem os cartões postais da ilha. Na verdade, trata-se de uma seleção de espécies de todo o mundo, que se adaptaram muito bem ao local.

É o caso da strelitzia ou ave-do-paraíso, que decora muitas das peças de artesanato. Espécie também comum no Brasil, ela é nativa da África do Sul. Da mesma região do planeta é o agapanto (Agapanthus africanus), que tinge de azul a ilha de abril a meados de agosto.

Convém ressaltar, há muitas espécies nativas belíssimas devido à exuberante laurissilva, floresta que cobria a ilha antes da colonização. Usada como madeira e lenha pelos colonos pioneiros e declarada patrimônio da humanidade pela Unesco em 1999, a laurissilva está sendo recuperada.

Exemplo é o projeto de reflorestamento do Pico do Arieiros, onde mais de um milhão de árvores foram plantadas.

Uma das espécies nativas mais bonitas é a Massaroco (Echium candicans), arbusto perene que embeleza a ilha na primavera e no verão com suas flores roxas de mais de vinte centímetros (foto).

Texto e foto: Monica Martinez

segunda-feira, 20 de abril de 2009

História: Ilha da Madeira


A Ilha da Madeira é uma região autônoma de Portugal. Na verdade, trata-se da maior ilha de um arquipélago, ou seja, de um conjunto de ilhas formado também por Porto Santo, Ilhas Desertas e Ilhas Selvagens. Na época do descobrimento, ela não era habitada.

A primeira da Região Autônoma da Madeira a ser descoberta foi Porto Santo, em 1418. A nau enfrentava uma grande tempestade em alto mar e, ao ver a ilha, os navegadores portugueses acharam que se tratava de um milagre, daí o nome santo.

Foi somente um ano mais tarde, em 1419, que os portugueses descobriram a Ilha da Madeira, assim batizada devido à grande quantidade de árvores existentes (diferentemente de Porto Santo, que tem pouca vegetação, mas belas praias de areia amarela e fofa).

Situada no Oceano Atlântico, a Ilha da Madeira está mais próxima da África (fica a 600km do Marrocos) do que do continente europeu.

A colonização, na forma de capitanias hereditárias, começa mais de duas décadas depois, em 1440. Tristão Vaz Teixeira torna-se Capitão-Donatário da Capitania de Machico, localizada no lado Leste. Machico hoje é uma das cinco cidades da ilha, tem uma estátua em sua homenagem e uma praia construída pelo ser humano, com areias trazidas do Marrocos, pois a Ilha da Madeira, de origem vulcânica, tinha até então praias com areias escuras e pedras.

Seis anos depois, em 1450, João Gonçalves Zarco é torna-se Capitão-Donatário da Capitania do Funchal. Funchal é hoje a maior cidade do arquipélago, possuindo 105 mil habitantes do total de 250 mil que habitam a ilha em 2009. Localiza-se na região central, contém o aeroporto internacional (com seu impressionante início de pista solidamente construído no mar) e possui uma estátua em homenagem a Zarco.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Narrativa de Viagem: Serras capixabas

Boa tarde, diz o nonno, postado na entrada da lojinha de madeira da Fazenda Carnielli, uma das pioneiras no agroturismo da região serrana do Espírito Santo. Cerca de 1,70m, corpo rijo e forte, sorriso iluminado pelo bigode branco, ele veste calça de brim escura, camisa de mangas curtas e boina que permite ver as têmporas grisalhas.
— O senhor é um Carnielli, certo?
— Certo — diz, sorrindo com a pergunta.
— Quantos anos o senhor tem?
— Oitenta e due.
— Oitenta e dois?
— Isso.

O diálogo serve como um aperitivo para seu Domingos, que deslancha a falar sobre sua família. Nascido em 1926, ele é a primeiro das três gerações de Carnielli nascidas no Brasil até agora. Para ilustrar sua história, seu Domingos aponta a parede à sua frente, onde estão fotografias em molduras ovais esculpidas outrora em madeira. Na parte mais alta está seu pai, Francisco, ao lado da esposa, Ângela Destéfani. Ao lado, numa fotografia esmaecida pelo tempo, está imortalizado um senhor sentado, que segura uma espingarda. Trata-se do patriarca dos Carnielli. Em companhia do irmão Giovanni, nos idos de 1888, Domenico deixou o sobrado em Conegliano, na província de Treviso, no Vêneto, região do norte da Itália, e partiu para o Brasil. Como tantos outros, vinha em busca de melhores condições de vida.

Ao chegar ao Espírito Santo, Domenico se estabeleceu em São Pedro do Araguaia, hoje Alfredo Chaves. A princípio, trabalhou na construção da estrada de ferro, casou com Vitória Caliman e, assim que pôde, como vários conterrâneos que haviam se instalado em Araguaia, Matilde e Alfredo Chaves, juntou suas suadas economias para comprar um lote de terra com solos mais férteis. Por seis contos e 100 mil réis, adquiriu a atual fazenda Carnielli em Venda Nova do Imigrante, localizada desde 1891 a 103 km de Vitória, a capital do Espírito Santo. No século 19, a região serrana capixaba, propícias ao plantio de café, era composta por grandes fazendas, boa parte abandonadas pelos portugueses que não conseguiram tocar seus negócios após o fim da escravidão, em 1888.


Animados pelo bom clima, pela água potável e caça abundantes, os italianos abriram pastos, semearam grãos — milho, arroz e feijão —, plantaram cana. Nos currais, as vacas garantiam o leite, logo transformado em queijo. Nos cercados, porcos supriam a carne do cardápio e as galinhas os ovos das quitandas.

Foi somente em 1993 que os descendentes dos pioneiros descobriram que a lida com o dia-a-dia era um atrativo turístico. Sob chancela do Programa do Agroturismo, com o apoio das Secretarias Estaduais do Desenvolvimento Econômico (Sedes) da Agricultura (SEAG) em parceria com o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae – ES), a Fazenda Carnielli abriu as porteiras e começou a implantação do agroturismo no Estado. A inspiração foi buscada na Itália: uma comitiva de 12 produtores de Venda Nova do Imigrante e de Domingos Martins foi àquele país para conhecer o programa italiano de Agriturismo.

Encostado no balcão, enquanto os netos oferecem aos clientes degustação de queijos maturados como o resteia italiano e o morbier francês, este com veios de cinzas, o nonno fala com entusiasmo de seu primeiro presente: uma enxada.

— Meu pai saiu com ela de manhã para arar o campo — conta. O trabalho era todo feito pelos membros da família, como boa parte ainda o é atualmente. — Foi só quando ele voltou da roça que me deu a enxada.

Quando fez 54 anos, em 1980, Seu Domingos e esposa, Enedita Zorzal, assumiram os negócios da família. Foi apoiado pelos dez filhos, dentre eles quatro estão hoje à frente dos negócios (Leandro, Antônio, Pedro e Danilo).

Implantar a fazenda não foi fácil. Como podia se tornar um caminho escuso para escoar o ouro das capitanias reais das Minas Gerais, o Espírito Santo teve a construção de estradas proibidas até a independência do país de Portugal, em 1822. Chegar ao local hoje é fácil, por meio da BR-262, que serpenteia as colinas verdes da região. No século 19, o ir e vir não era simples nem rápido. Tanto que na época as professoras que lecionavam para os alunos da região hospedavam-se na fazenda Carnielli.

O café plantado na propriedade continua bom. Uma máquina de expresso tira xícaras fumegantes do arábica cereja descascado, bebida fina que leva o nome da fazenda. Leandro, filho de Domingos, se aproxima da gôndola que exibe os pacotes do pó negro. Mais alto que o pai, mas com os mesmos olhos azuis, ele tem cabelo cortado rente, rosto anguloso e um quê do ator norte-americano Paul Newman.

— Experimente levar este aqui — sugere Leandro, apontando para o pacote que leva seu sobrenome e que contém o seu melhor produto. Afinal, o café ainda é o carro-chefe da região.
À semelhança do pai, Leandro se empolga e começa a falar sobre seu assunto favorito: o agroturismo. Não por acaso, ele é presidente da Agrotures, a Associação de Agroturismo do Estado do Espírito Santo.

Leandro aponta três questões fundamentais em agroturismo. A primeira é a cultural. Ele se refere ao fato de que os produtos vendidos na região são de raiz, isto é, são realmente feitos pelos descendentes de imigrantes que produziam os alimentos dentro de suas propriedades, já que havia pouquíssimas casas de comércio na região e o dinheiro também era um artigo escasso. O jeito era a auto-sustentabilidade: os proprietários faziam os pães, trituravam o fubá em moinhos de pedra a partir do milho plantado no local, preparavam a massa do macarrão. Daí as receitas terem sido testadas e aprovadas ao longo de gerações. É o caso do socol (do italiano ossocolo, que no dialeto vêneto significa pescoço), delicioso embutido que no Brasil passou a ser feito com lombo suíno.
O segundo pilar do agroturismo é a gastronomia. Quem volta de viagem conta histórias do que deu certo e não deu certo e relata também os pratos diferentes que experimentou – ou não ousou fazê-lo!

Finalmente, o terceiro ponto forte do agroturismo é o ecológico. Por uma questão das políticas imperiais e das medidas adotadas recentemente, como a criação de áreas de proteção ambiental, o Estado guardou muito do seu verde. Nesse sentido, exibe uma forma bastante interessante de co-existência humana com a natureza. O que leve os turistas a não apenas a saírem das lojinhas carregados de quitutes, mas também a levarem na alma as belas vistas da terra.A combinação leva cerca de mil turistas a passar por semana na fazenda Carnielli, uma das 16 propriedades da rota do agroturismo capixaba (há 55 ao todo). O curioso é que o turista não tem noção dessa quantidade. Afinal, cada um se sente único ao ser acolhido pessoalmente pelos proprietários. Se a idéia é se sentir um no meio da multidão, a dica é curtir a Festa da Polenta. A mais esperada atração da cidade é realizada tradicionalmente no Centro de Eventos no segundo final de semana do mês. Apesar da farta quantidade de polenta, o prato é disputado e é bom chegar cedo ao local. “Ano passado nem consegui comer polenta”, brinca a simpática guia turística Izalete Armani, também ela descendente de italianos como sugere o sobrenome.


Monica Martinez

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

História: Espírito Santo

Até a chegada dos portugueses em 1501, o litoral do Espírito Santo era habitado por tribos do tronco tupi-guarani. A partir daquela data, nada foi o mesmo para botocudos, aimorés e goitacás. Em 1534, a coroa portuguesa adota o sistema de capitanias hereditárias, fatiando a terra descoberta em 15 fatias. D. João III destina uma delas a Vasco Fernandes Coutinho por seus feitos na África e Ásia. Em 1535, o donatário desembarca da nau Glória com 60 degredados, dois nobres (D. Jorge de Menezes e D. Simão Castelo Branco) e a vontade de se tornar um grande produtor de açúcar.

É recebido a flexadas pelos goitacás. O poderio das armas européias, no entanto, fazem a batalha pender para o lado dos portugueses. Como a chegada havia sido no dia 23 de maio, no calendário católico dedicado ao Espírito Santo, o povoado fundado é chamada de Vila do Espírito Santo.
À semelhança do que acontece nas demais capitanias, uma das primeiras construções é um forte, o Fortim do Espírito Santo. A precaução, contudo, não surte a proteção desejada, uma vez que os aimorés não dão tregua aos invasores. A peleja leva o donatário a procurar terras mais seguras e, em 1551, a escolha recai sobre uma ilha para fundar a Vila Nova do Espírito Santo. Cheia de escarpas, é ali de fato que começa a colonização da capitania.

A vila anteriormente construída, de maneira bem prática, passa a ser chamada de Vila Velha e quem nela nasce hoje é chamado de canela verde, provável alusão às meias que os portugueses usavam, já que os povos indígenas chamavam os invasores de moab, os calçados.

A Vila Nova é dedicada ao cultivo de milho, daí surgiu o termo capixaba que se estende hoje a todos os nascidos no Estado, derivado do tupi kapi'xawa, terra de plantação. Os indígenas, não dispostos a fazer concessões aos invasores, atacam a ilha. Em menor número, porém com armas poderosas, os portugueses repelem os nativos e rebatizam a ilha de Vitória, nome pelo qual a capital do Estado é conhecida até hoje.

A peleja dura até 1558, quando os índios são derrotados. Nesse mesmo ano, é fundado pelo frei franciscano Pedro Palácios o Convento da Nossa Senhora das Alegrias, hoje conhecido por Convento da Penha por estar localizado num penhasco. Trata-se de um dos mais antigos santuários do país. A Nossa Senhora da Penha é a padroeira do Estado do Espírito Santo, cuja bandeira, de cores rosa, azul e branco, é inspirada na vestimenta dessa Nossa Senhora.

Animado com a paz, o donatário Vasco Fernandes Coutinho cultiva cana-de-açúcar e monta engenhos para a produção de açúcar. Tem como aliado o padre jesuíta espanhol José de Anchieta. Nascido em 1534 das ilhas Canárias, um idealista tigre no horóscopo oriental, o neto de judeus convertidos havia sido enviado para estudar em Coimbra, uma vez que a inquisição espanhola era mais implacável que sua contraparte lusitana. Em 1551, aos 17 anos, o jovem que seria beatificado pelo papa João Paulo II como Apóstolo do Brasil ingressa na Companhia de Jesus como irmão.

Enquanto finaliza seus estudos, o Provincial dos Jesuítas no Brasil, padre Manuel da Nóbrega, pede reforços para catequisar os índios. O Provincial da Ordem, Simão Rodrigues, indica, entre outros, José de Anchieta.

Em 1553, aos 19 anos, Anchieta chega ao Brasil. Um ano depois, participa da fundação do Colégio de São Paulo no planalto de Piratininga, núcleo do que viria a ser o maior centro econômico do país, a cidade de São Paulo. Apesar da escoliose (chamada na época de espinhela caída), faz andanças intensas pelo litoral do país. Em 1569, aos 35 anos, funda a cidade de Iritiba, onde viria a falecer em 1597, hoje Anchieta em sua homenagem. O caminho de 105 quilômetros que percorria duas vezes por mês entre a cidade e a ilha de Vitória, com paradas em Guarapari, Setiba, Ponta da Fruta e Barra do Jucu, atualmente é percorrido por peregrinos, à semelhança do que é feito na espanhola Santiago de Compostela. A Associação dos Passos de Anchieta (Abapa) organiza peregrinação anual realizada em junho (dados disponíveis em http://www.abapa.org.br/).

Apesar do reforço, anos depois da chegada, o donatário Vasco Fernandes Coutinho parte com a mesma nau para Portugal em busca de apoio, mas acaba desistindo do empreendimento devido aos conflitos que prosseguiam na capitania. A paz só viria no século XVII, após um ciclo de invasões de holandeses, ingleses, franceses, neerlandeses e piratas. Contudo, nesta época, a descoberta de ouro nas Minas Gerais, localizada a oeste e noroeste da capitania, levou o reino proibir a construção de estradas na intenção de criar uma barreira verde que impedisse o escoamento de ouro e pedras sem seu controle.

Os incentivos só ressurgem após a Independência, em 1822, quando a região passa a ser pólo de cultivo de café à semelhança do Rio de Janeiro, localizado ao sul do Estado. Com o fim da escravidão, em 1889, as grandes fazendas da região, abandonadas, são divididas em pequenas glebas e vendidas, a partir do final do século XIX e início do século XX, a imigrantes europeus. Italianos, alemães e pomeranos (da extinta Pomerânia, hoje Polônia) partem de seus países em crise em busca de melhores condições de vida, estabelecendo-se na região serrana do Estado, com colinas e clima frio como a de seus países de origem (o clima predominante do estado é o tropical de altitude).

Depois de 1960, o café cede espaço a tentativas de industrialização, resultando em marcas conhecidas nacionalmente, como chocolates Garoto e sapatos Pimpolho. Contudo, as reservas petrolíferas, de gás natural e de minerais, são hoje os principais produtos econômicos, escoados pelo Porto de Tubarão, localizado em Vitória. O Estado também é o maior produtor de rochas ornamentais do mundo, principalmente mármore e granito, sendo igualmente grande produtor de celulose, com imensas áreas de plantio de eucalipto.

Setenta porcento da população tem ascendência italiana, mas na prática há muita miscigenação, causada sobretudo pela proximidade com a Bahia, que faz divisa com o Estado ao norte.