sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ai de ti, São Luis

Não se vê carros antigos nem sem ar
condicionado em São Luís
Ulisses, o taxista, deixa o hotel localizado na Ponta da Areia levando sua passageira para o Aeroporto Internacional Marechal Cunha Machado. É quarta-feira, já passou das 23h e ele está com os vidros bem fechados.
São dois os motivos. O primeiro é para que o ar condicionado funcione bem. Na quente ilha de São Luis, a capital do Estado, não se vê carros muito antigos, e ar condicionado no veículo não é considerado item opcional. Nem nas casas ou estabelecimentos comerciais.

A segunda razão é por segurança. Estamos numa área nova, que abriga as redes hoteleiras e prédios com apartamentos à venda por cifras que, dois dias antes o guia de turismo Darfan havia avisado estarem na faixa de um a cinco milhões de reais. O curioso é que o uso da bela praia em frente é desaconselhado por todos. O motivo: ao se propor a expansão da região, esqueceu-se dos necessários emissários submarinos – a água do mar é poluída e meu maiô volta intocado para a mala.

O preço dos apartamentos é uma cifra espantosa para qualquer estado, mesmo este que é considerado o quarto mais rico do Nordeste, mas que, ao mesmo tempo, apresenta desigualdade social gritante: seis em cada dez habitantes são pobres. Muitos deles, aliás, moram na comunidade situada logo atrás da linha dos hotéis, chamada de Ilhinha. Duas ou três vezes a passageira já havia ouvido a frase de bocas diferentes:

— Nem entregadores de refrigerante ou de cigarro entram lá sem aviso —. Na dúvida, para ir às reuniões no prédio que dista uma quadra, e devidamente orientados por zelosos recepcionistas, taxistas e moradores locais, tomamos táxis em vez de fazer uma agradável caminhada pela orla marítima.

Aliás, entre estes entregadores precavidos estão o do gostoso, cor-de-rosa e popular guaraná Jesus, que os marenhenses orgulham-se de dizer que vende mais do que Coca Cola. O nome não é uma homenagem ao Cristo. Antes, ele foi criado pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes, que não somente era ateu como chegou a ser excomungado por conta do empreendimento tido como herético. Recentemente, e para horror de muitos fãs que acham que o Jesus não é mais o mesmo, a marca foi adquirida pela Coca Cola, aparentemente numa ação maquiavélica para deter o popular refrigerante dentro nas fronteiras do Estado.

Ulisses, o taxista, aponta a Ilhinha à nossa frente e pisa fundo o pé no acelerador. Passamos pelo bairro da Liberdade, criado na época da libertação para acomodar os escravos forros, sem trabalho nem assistência governamental para se instalar na vida, hoje não por acaso um conglomerado de casas populares com portas e janelas protegidos por grades grossas.

Passamos pela lagoa Ana Jansen, uma homenagem a mulher forte que viveu no século 17. Sua história é muito parecida com a de dona Beja , esta de Araxá, Minas Gerais. Ana era uma mãe solteira que, para manter o filho e a mãe, torna-se amante do homem mais rico da província, coronel Izidoro Rodrigues Pereira. Com a morte da esposa dele, quinze anos depois, seguida da do coronel, ela fica independe e poderosa. Ao que parece, graças ao seu tino comercial e suas habilidades de liderança, Ana ocupa espaço político e passa a ser conhecida como a Rainha do Maranhão. Há fofocas sobre as relações que ela manteria com escravos, que teriam produzido alguns de seus filhos – fofocas que ela cortava pela raiz ao mandar matar, ou, ao menos, mutilar seus ex-amantes para que não dessem com a língua nos dentes. Depois de horrorizar a elite local, hoje ela aterroriza o imaginário local — agora na figura de uma bruxa que percorre o centro dando velas amaldiçoadas para incautos.


Alto relevo do Fórum: dizem que aqui
a justiça não é cega nem equilibrada
O centro supostamente percorrido pela carruagem de Jansen e seus ex-escravos é um dos locais mais interessantes do Maranhão, Estado que já mudou muito de dono até que, dizem as más línguas nativas, a oligarquia dos Sarney se instalasse no poder. No início a terra foi dos espanhóis, seguida dos franceses – a cidade de São Luis foi por eles fundada em 1612.

A mistura resultante lembra bastante Nova Orleans, no sul dos Estados Unidos, que também foi disputada por espanhóis e franceses. Uma das diferenças mais visíveis é a de que na cidade estadunidense há uma praça quadrada central de onde partem planejadamente as ruas, enquanto na São Luis elas se distribuem ao sabor das colinas, como pedia mais tarde a arquitetura portuguesa.


De semelhante, Nova Orleans e São Luis possuem as belas grades de janela em ferro fundido e as casas que principiam na beira da calçada estreita. Ambas cidades também têm referências ao rei francês da época, Louis 13. Em Nova Orleans a igreja católica que fica à beira da praça leva seu nome, Saint Louis. Já na bela Catedral Metropolitana da Sé – que foi construída de 1619 a 1699 – há uma imagem de São Luis no altar.


São Luís: homenagem
ao rei francês Louis 13
Como em outros locais do nordeste brasileiro, os holandeses também tiveram seu tempo de ocupação na cidade, em 1641. Aparentemente não deixaram saudades nem muitos descendentes – há pouca gente com olhos claros circulando pelas ruas –, uma vez que foram expulsos apenas três anos depois pelos colonos portugueses. Hoje, contudo, a Avenida dos Holandeses é uma longa avenida em sua homenagem.


Já a herança portuguesa fica bem à mostra nas paredes azulejadas dos casarões do centro histórico. Não por acaso, em 1997, a cidade foi tombada como patrimônio histórico pela Unesco. Mas, é preciso dizer, investimentos para recuperação são necessários, pois basta percorrer algumas das ruas estreitas fora do perímetro central para perceber o estado de deterioração em que se encontram muitos dos imóveis.

Vale destacar que as lojinhas do centro histórico possuem artesanato criativo e bem feito, sobretudo as bolsas de palha de buriti feitas em Barreirinhas (leia-se a cidade dos Lençóis Maranhenses para os de fora do Estado), com preço honesto e qualidade. Mas talvez o bem mais precioso seja os maranhenses em si, cordiais e sempre prontos a trocar um dedo de prosa. Prosa que atinge seu ápice no mercado, com suas cestarias repletas de camarões secos, com seus doces de buriti e suas castanhas bem torradas.

As frutas locais: o mercado é uma
festa de cores e aromas
Aliás, em São Luis se come muitíssimo bem, qualquer que seja a quantia no bolso. No próprio mercado, por exemplo, uma refeição com peixe, arroz, saladinha e, claro, a farinha grossa e crocante, sai por R$ 10, com direito a uma garrafinha vazia de um litro de coca-cola cheia de água geladinha – saudável hábito que lembra o dos bistrôs franceses. No centro também há o restaurante Senac – ótimo na avaliação dos que lá vão.

Arroz de cuxá (feito com uma erva local, a vinagreira, à venda no mercado), patinhas de caranguejo, carne de sol, peixes deliciosos, baião de dois, macaxera frita, dê o nome – trata-se de comida forte, com sustança, bem temperada e farta.


Em direção ao aeroporto, passamos pela ponte José Sarney, construída no final do governo do político escritor em 1970. O taxista Ulisses logo começa a falar de política. Falar mal dos Sarney, aqui, é uma paixão estadual. Todos, absolutamente todos, fazem questão de lembrar que o atual presidente do Senado, José Sarney (1930-), é eleito pelo Amapá (PMDB) e não pelo Maranhão. Curiosamente, apesar de ninguém confessar ter votado em sua filha, Roseana (hoje PMDB) foi eleita governadora pela quarta vez no Estado, ocupando seu espaço residencial no lado esquerdo do belo Palácio dos Leões, que abriga o governo desde 1775. Na boca do povo, contudo, ela é tida como alguém que não é perfeita, mas que faz.

Chegamos finalmente ao aeroporto. O atendente da companhia aérea sugere subir logo para a área de embarque.

— Aqui embaixo é muito desconfortável, parece mais uma rodoviária — ele diz, quase como se se desculpando. O comentário me faz olhar para o teto, feito de placas de alumínio. De fato não me recordo de outro aeroporto assim construído – e olhe que já viajei pelo país.

— Além disso, lá encima tem ar condicionado — ele completa. Ar refrigerado, mesmo nesta terra com tanta brisa natural, é um símbolo poderoso de status. Não há como discutir. Pego a mala de mão, a sacola com as bolsas de palha de buriti e meu pacote de garrafinhas de guaraná Jesus e sigo obediente para a área de embarque.

Monica Martinez




quarta-feira, 28 de julho de 2010

O paraíso existe, seu João!

“O paraíso existe!”. Esta é a primeira coisa que passa pela minha cabeça quando entramos no borboletário do Sesc Pantanal, localizado em Porto Cerrado, a 35 km de Poconé, no Mato Grosso.

Na redoma de 300 m2 voam duas mil borboletas, de todos tamanhos e cores, parando aqui e ali nas ixoras e outras flores vistosas. Vez ou outra, descem a tromba e tomam goles d´água da pequena, mas bonita cachoeira artificial, que queda d´água de verdade não se vê por estas planícies fincadas no meio do Brasil.

Para quem vai de São Paulo, a viagem é longa, porém não de todo desconfortável. Três horas e meia de vôo do Aeroporto Internacional de Guarulhos até Cuiabá, se tiver conexão em Brasília. Da terra natal do poeta Manoel de Barros são mais 150 km, translado percorrido numa van com ar condicionado providenciada pelo próprio Sesc.

Logo na chegada, a surpresa: um cervo do Pantanal do lado direito da MT-370. O próprio motorista parece surpreso com a recepção propiciada pela fauna. Sesc Pantanal é a maior RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) do país, com 106 mil alqueires. Para quem, como eu, tem noção espacial precária, não adiantaria imitar a Veja e calcular quantos Maracanãs caberiam nesta área– até porque nunca fui ao famoso estádio carioca. Mas, a julgar por todos os passeios que faremos durante a estadia – e ainda assim sem chegar a todos os pontos da reserva – vale dizer que é uma área gigantesca.

Seu João da Silva, o responsável pelo borboletário, é um dos últimos peões pantaneiros. O homem vigoroso com cerca de 1,60m, cor de chocolate herdada dos índios guatós – que lhe vale o apelido de João Preto –, olhos francos e porte digno, há trinta anos participava de comitivas que conduziam gado por esta região que se divide em duas estações básicas: secas e cheias. É que de novembro a abril chuvas torrenciais inundam as planícies. Diferentemente dos paulistanos, que tanto brigam com as chuvas de verão que se precipitam mais ou menos na mesma época, os pantaneiros sabem fluir de forma harmônica com as águas.

Já vi seu João num programa do Globo Rural sobre o Sesc Pantanal, feito pelo jornalista José Hamilton Ribeiro, e o verei depois ilustrando um livro sobre o Pantanal. Está sempre impecavelmente vestido com calça jeans, camisetas, botas de cano curto e chapelão de couro. Junto com Vivaldo Vilas Nova, ele não toca mais gado, mas as milhares de borboletas que voam idilicamente pelo espaço de 9 m de altura. O processo é trabalhoso. No laboratório, seu João mostra os potinhos de margarina que contêm os ovinhos recém-colhidos, que são semanalmente distribuídos para as 25 mulheres que fazem parte da Associação das Criadoras de Borboletas.


No dia do sorteio, o clima é de expectativa. É que algumas espécies, como a Ascia buniae, borboletinha branca, se desenvolvem em apenas 16 dias, permitindo embolsar R$ 1 por unidade rapidamente. Já a majestosa Caligo brasilienses, grande e com olhos de coruja, leva mais tempo, porém é melhor remunerada: R$ 2,50. As cooperadas criam até atingir sua cota de R$ 366 por mês, dinheiro com o qual duas já se formaram em enfermagem e foram para a frente.

Quando os casulos chegam ao laboratório, Seu João usa cola branca para prender os casulos em palitos de churrasco, que são fixados na vertical em caixas grandes de plástico. Será que é por praticidade, para caberem mais em lugar menor?

— É preciso a força da gravidade na hora do nascimento, senão elas ficam defeituosas _ diz, apontando para uma borboleta à nossa frente que, naquele momento, rompe o casulo. Ela abre as asas enrugadas e levará algumas horas para que esteja firme e forte para voar, podendo então ser solta no recinto cheio de flores.


De volta ao borboletário, seu João explica que as borboletas vivem pouco, dependendo da espécie até 60 dias. Enquanto fala com voz calma, elas voejam ao seu redor, colhendo néctar, algumas se alimentando das bananas bem passadas colocadas em pratinhos de plástico, namorando, botando ovos e, finalmente, morrendo.

Seu João sabe o nome de todas, popular e científico. No entanto, aprendeu a ler a pouco tempo. Será que ele imaginava que um dia sua lida seria com insetos?

— Jamais imaginei que lidaria com borboletas _ diz, ainda surpreso. Alguns colegas de comitiva que não se ajustaram aos novos tempos tornaram-se, segundo ele, pés-inchados. ͟ Bebem até cair ͟ lamenta-se, revelando na prática o fim de uma cultura antiga cujos relatos remontam ao explorador espanhol Cabeza de Vaca, no século XVI.

Será que seus filhos seguiram os caminhos do pai? ͟ Meu gosto seria que eles fizessem faculdade. Mas minhas duas meninas se casaram e o rapaz trabalha com obras. ͟ Suas esperanças repousam agora nos netos, em especial Tainara, de 7 anos, que gosta de estudar. Quem sabe, no futuro, ela não se torna uma bióloga e escreve um livro sobre borboletas com o avô?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Ilha Encantada

Muitas pessoas avistam a Ilha dos Arvoredos. Afinal ela está localizada em frente a um dos recantos mais bonitos do município paulista do Guarujá, a Praia de Pernambuco.

Para quem a vê da praia, a ilha é um pontinho verde, bonito e distante. Poucas pessoas, dotadas de físico bem condicionado, se aventuram a nadar a distância de 1,6 quilômetros que a separa da costa. Mas não podem subir na ilha, salvo com autorização prévia.

Um número maior de indivíduos chega pertinho da ilha, pois há um serviço de banana boat na praia em frente. Também eles não podem desembarcar lá, apenas nadar nas águas próximas. Outros, ainda, chegam em barcos ou iates, sem contudo poderem pisar na ilha.


São poucos com autorização para desfrutar da área total de 36 mil metros quadrados. Isso porque a ilha é um centro de pesquisas ecológicas e científicas, onde hoje atua o Projeto Gremar, ONG que se dedica a resgatar mamíferos marinhos.


O Gremar é a ponta de um iceberg de parcerias que conta também com o Ibama, a Secretaria de Meio Ambiente de Guarujá, a Fundação Fernando Lee e o campus Guarujá da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), que hoje administra a ilha. A parceria faz parte da Remase, rede de apoio a animais marinhos que encalham em diversas áreas do litoral paulista. A rede envolve também a Polícia Ambiental e Corpo de Bombeiros.


Os eleitos que chegam à ilha, contudo, começam a ouvir o nome do engenheiro Fernando Eduardo Lee logo no desembarque. Não é por acaso: num cestinho, os visitantes são içados do barco por um enorme guindaste de 90 toneladas em forma da mitológica ave fênix idealizado por ele!


A partir daí, ouve-se o nome do engenheiro o tempo todo. Nascido no bairro paulistano da Bela Vista há mais de um século, em 1909, o neto de norte-americanos estudou na Escola Americana de São Paulo e na Horace Mann School, em Nova Iorque, graduando-se em engenharia mecânica na Lafayette University, na Pennsylvania (EUA). Foi desde sempre um apaixonado pela tecnologia.

Em 1950, Lee recebeu concessão do Serviço de Patrimônio da União para fazer inovações na ilha. O local, que era apenas um rochedo, logo passou a receber terra e mudas de plantas raras e exóticas, transportadas uma a uma a partir do continente. A grama asiática, por exemplo, foi escolhida para conter a água, diminuindo o processo de lixiviação do solo.


Além da flora, Lee também fez criadouros para animais. Mas seu interesse primordial era mesmo as energias alternativas. Tanto que, em sua época, a ilha era autosuficiente em matéria de água e energia. Hoje a energia elétrica – disponível apenas à noite – é obtida pelo uso de um gerador. Já a água potável tem de ser trazida do continente.


Mas na segunda metade do século XX eram três fontes energéticas limpas usadas. A primeira era a eólica: a torre em forma de farol não é apenas decorativa: sua hélice transformava em energia a força do vento. Usava-se também um inovador método de coleta de energia solar, aliás o primeiro do país. Finalmente, a água da chuva era colhida em um reservatório de 300 mil litros. Hoje se espera que seu mecanismo seja decifrado por especialistas para ser reativado.

Com tanto zelo, não é por acaso que Lee apelidou o local de “Ilha Encantada”. Após a morte do engenheiro em 1994, a Unaerp assumiu a direção da Fundação Fernando Eduardo Lee, dando continuidade em alguma medida aos projetos científicos implantados.
 
Hoje o local é um porto seguro para a recuperação de lobos do mar, golfinhos e outros animais marinhos. Ajuda financeira é bem-vinda, pois sua necessidade é visível. “Em 2008, apoio da Petrobrás permitiu iniciar nosso projeto-piloto. Mas ainda há muito a ser feito”, explica a coordenadora do Gremar, a veterinária Andrea Maranho (foto).
 
A visita à ilha também permite observar o crescente nível de água ao longo das últimas décadas. Um impressionante salão de festas construído à beira-mar está parcialmente inundado.
 
 Já a casa-sede construída por Lee, em lugar mais alto, não corre riscos. Escondida no meio da vegetação, ela abriga os estagiários do Gremar na ativa, como a bióloga Aline Braga Moreno, a veterinária Cynthia Viana Faria e a bióloga Jennifer Guariento (na foto, atendendo um atobá com a asa machucada).


Texto e fotos: Monica Martinez

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A discreta beleza de Araxá (MG)


— Cada um pega um papelzinho e escreve um mico para um colega fazer.
Animada, a guia Cristiane Santana quebra de cara a ideia de que a viagem para Araxá, a 593 quilômetros de São Paulo, será modorrenta. Após a chegada, saudada com chuva torrencial, a cidade mineira revela aos poucos seus encantos. O primeiro, claro, é a gastronomia. Come-se muito bem em Araxá, mesmo nos lugares mais simples. Sobretudo quem está aberto aos sabores do feijão tropeiro, das carnes de porco bem temperadas e das farofas.

Mas não se dá um passo sem ouvir certo nome.

 — É dona Beja, não Beija, como na televisão — ensina a competente guia
local, Sibila Reis (foto), referindo-se à novela da extinta TV Manchete. Com prenome de sacerdotisa oracular, herdado de uma avó grega, Sibila já adianta que não escaparemos impunes das quitandas e “docins” mineiros. — Vivo brigando com o peso por causa deles... — lamenta. Logo todos estaremos na mesma situação...


Dona Beja (sem o i) é um personagem controverso. O melhor contador da história de Anna Jacinta de São José é o guia João da Fonte (foto), que trabalha no Grande Hotel Araxá. Filha bastarda, ela usou a beleza para subir na vida, que foi para lá de atribulada. O museu que leva seu nome não guarda muito mais que uma medalhinha sua. Mas permite visualizar a casa em que supostamente morou, estrategicamente localizada no centro da cidade, bem como móveis e objetos de época. Há também uma lojinha com as camisetas mais bonitas da região, para quem estiver em busca de um souvenir.

A memória popular preserva bem a noção da mulher que virava a cabeça dos homens. — Ela foi uma rameira — diz, em bom português, uma empresária que está fazendo as unhas num salão de beleza local. Espevitada ou não, o fato é que a beleza de Maitê Proença impregnou-se no imaginário popular da beldade, uma vez que não há imagens dela, pois no século 19 não era considerado de bom tom os artistas representarem cortesãs.


Outro local que vale a visita é o museu Calmon Barreto (1909-1994), criado em 1996 para abrigar as obras do mais famoso artista da terra. É dele a bela pintura de dona Beja que abre esta matéria.


Localizada no circuito mineiro das águas, a grande atração de Araxá sem dúvida é o complexo Grande Hotel. A construção em estilo missionário, emoldurada por 450 mil metros de belíssimos jardins idealizados pelo paisagista paulista Burle Marx (1909-1994), foi inaugurada na década de 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas, tendo sido destino certo para a elite desejosa de desfrutar os poderes das águas terapêuticas.





Hoje o Grande Hotel e Termas é administrado pela Rede de Hotéis mineira Ouro Minas. Vale a pena conhecê-lo. Para os abonados, há hospedagem (com diárias que variam de cerca de R$ 900 a R$ 4 000).

Para os menos abastados, é possível desfrutar dos serviços avulsos do spa, com massagens, banhos como o de lama, bem como as termas sem estar hospedado no hotel. Trata-se de uma oportunidade única de voltar no tempo e circular por salões forrados de mármore de Carrara com lustres de cristal alemão e bibliotecas com livros de época, entre outros mimos.








A visita a cidade, claro, não estaria completa sem uma visita aos Doces Joaninha, a mais famosa doceira da região. Sua ambrosia, doce de leite e ovos, é ímpar.


— Pelo tamanho de minha cintura vocês podem comprovar que os doces são realmente bons — brinca Luiz Augusto Almeida (foto), o filho da proprietária que se encontra à frente do negócio e prepara uma degustação saborosa para os turistas. Outra opção é dona Cecília, com doces também gostosos.

Vale também a pena a visita a sorveteria Frutos do Cerrado. Nesta franquia goiana, deixe para mais tarde delícias que você encontra em outros lugares, como sorvete de milho verde, e experimente frutas típicas do cerrado, como o araticum, o buriti, a cagaita e a mama cadela.

Não há favelas nem miséria à vista em Araxa. Não é somente o turismo o responsável pelo feito. A principal fonte de renda do município é a mineração de nióbio de ferro feita pela CBMM (Cia Brasileira de Metalurgia e Mineração). O nióbio é um metal que empresta solidez às ligas e está presente das lentes de óculos não-reflexivas aos foguetes espaciais.





Na foto da esquerda, à direita, a guia Cristiane Santana. Na foto à direita, os participantes da expedição para Araxá (MG) realizada de 28/12/2009 a 2/1/2010.


Texto e fotos: Monica Martinez

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sobre vacas e rapeis

Sábado, 7 horas da manhã. Após uma semana chuvosa e de frio na cidade de São Paulo eu, minha namorada Bel, minha irmã Valéria com o namorado Beto e os amigos Diogo, Camila, Gugu, Ana, Ale e Érica saímos de casa com o tempo ainda gelado e nublado rumo a Socorro, a aproximadamente 130km da capital paulista.


No caminho à cidade interiorana, que integra o chamado Circuito das Águas, o dia esquenta. Após nos perdermos em alguns trechos da estrada, chegamos ao parque que serviria de base para nossas aventuras com a temperatura em torno dos 27º. Estacionamos os carros, pegamos nossas comandas e vamos logo para o primeiro desafio: rapel.

Voltamos para os carros e seguimos até o local da atividade. Para quem não conhece, a prática do rapel é a descida de montanhas íngremes, com o auxílio de cordas e equipamentos para sustentação e segurança. No nosso caso, o desafio que teríamos pela frente (e que nem todos encararam), tinha “apenas” 50m.

Quando chegamos ao lugar, quem realizará o rapel deve subir o morro andando; quem apenas assistirá pode se acomodar em alguma pedra na base da montanha. O sol, que brilha em um céu com poucas nuvens, castiga a todos.

Uns dez minutos andando e pronto! Estamos onde se faz as descidas. Os instrutores nos equipam e passam as instruções de como é feito o rapel. Simulamos a ação em um pequeno desnível, com não mais que 3m. Até aí tudo tranqüilo.

Vamos para a beira da montanha, cuja face utilizada para a aventura é apenas uma imensa pedra. Agora é de verdade. Sou o segundo a descer e aguardo minha vez com uma mistura de nervosismo, apreensão e curiosidade. Quando chega a minha hora, todos esses sentimentos dão lugar ao medo assim que vejo a altura que nós estamos. Jamais imaginei que 50m podia ser algo tão grande.

Começo a descida procurando firmar minhas pernas no chão ao máximo, mas logo a mistura de inclinação das pedras com a força da gravidade faz com que eu fique pendurado apenas pela corda. Medo! Consigo me reposicionar e continuo rumo ao solo. Olho para cima e vejo que já percorri boa parte do caminho. Viro para baixo e percebo que ainda falta muito. “Meu deus, como 50m é alto!”. Após metade do trajeto, já estou mais confiante e até arrisco uma parada para posar para fotos. Todo este meu arrojo não dura mais do que 5 segundos. Volto a me agarrar nas cordas, só quero terminar logo com isso.

Enfim, pés bem firmes no chão. Em mais três minutos (que parecem horas) venço os 50m. Vou ao encontro daqueles que preferiram se poupar de passar por tudo isso. Dou uma olhada nas fotos, um beijo em minha namorada e sigo novamente em direção ao morro. Teria direito a mais uma descida, que, garantiam os monitores, seria muito mais prazerosa que a primeira.

Quase chegando ao alto do morro, um encontro me faz tremer. Uma vaca no meio do caminho me olha desconfiada. “Mmmmuuuuu”, ela me saúda. Dou uma de desentendido, olho dissimuladamente para o lado, mas, quando me viro novamente para o animal, ele continua me encarando, agora com um aspecto um pouco mais assustador. “Estou na área dela, ela é mais forte que eu e não conseguimos nos comunicar. Tô fora!”, penso, já tomando a trilha de volta. Descer 50m pendurado em uma corda até vai, mas ser atacado por uma vaca é demais!

Texto: Rodrigo Casarin
Foto: Izabel Silveira Bueno (Bel)